O livro é composto de contos divididos em três partes. Na primeira parte estão: Mitologias Apócrifas, Gênese, Breve História da Humanidade e Fragmentos do Império de Marcus Regulatórius; na segunda: Aniversário de Casamento, Aleluia é sábado, Casa Abandonada, Entre Vizinhos, ônibus 224, Cadeia Alimentar do Século XXI, Lotérica Esperança, As Cartas, O prazer de viajar de avião e Uma noite. Na terceira: Um encontro, O Viajante, A outra história do paraíso, Retalhos, No Convento, O Drama de um homem só e A Rua, fechando o livro.
Após alguns desses contos há também poemas. O Drama de um homem só, Gênese e Breve História da Humanidade são reedições dos contos publicados nos livros de poemas: o primeiro no "O Eu Mais Íntimo" e o segundo no "Pretérito Mais Que Presente".
Mas, a fim de possibilitar outras formas de mergulhar em no livro em vez de apontar-lhe uma estrutura, creio adequado divulgar então o prefácio da obra. A editora ainda me deve a lista das livrarias. Assim que eu as tiver, divulgarei aqui no blog. De qualquer forma, já está disponível no Brasil nas livrarias Saraiva e Siciliano. Em Portugal, é só ver a postagem anterior a esta.
PREFÁCIO
Os temas que mais gosto são o do
sofrimento da tristeza e o da miséria; quando os sonhos se batem com o real,
quando temos que enfrentar essa realidade que não moldamos, mas moldaram para
nós sem nos perguntar e nos damos conta de que tudo em que acreditamos, na
verdade não é nada do lado de fora de nós mesmos. Fingimos, pintamos, mentimos o
mundo para conseguir encará-lo, ainda que de costas, mesmo que isso seja um
paradoxo. Quero desmascarar as pessoas, arrancar-lhes as aparências, as
fantasias vãs de personagens vazios, quero mostrar a fraqueza e a covardia do
valente, a tristeza do ódio e a angústia e o medo que permeiam as
discriminações humanas. Gostaria de conseguir fazer tudo isso e mostrar que há
mais gente que se importa com o outro, em incomodar o outro, em impor-lhe seus pensamentos
– aqueles que nunca os teve por si – muito mais do que se esforça em descobrir-se,
em ser si mesmo.
Quero acabar com esse hábito da gente
que, como escrevi num texto deste livro, "se esbarra todos os dias, já se
conhece, ao menos de vista, no trajeto diário, quase deixando de ser somente um
corpo sem vida, sem história, que passa e não se sabe se existia antes e se
continuará a existir depois, se não era unicamente uma alucinação no meio
daquela turba e mesmo assim, esses que se encontram todos os dias, não rompem a
barreira do isolamento na individualidade; ainda que se perceba percebido pelo
outro que talvez tenha o mesmo anseio de contato, não se parte para a ação de
conhecer, e quebra o pacto de silêncio cujo medo de ser descoberto é o
signatário. É um contrato em que se acorda: “Também tenho medos, recalques,
traumas e 'falhas', portanto, não tente ver os meus que eu não me intrometerei
nos seus”; “Somos perfeitos bons cidadãos no desconhecimento”. “É melhor deixar
assim do que despir os personagens de suas fantasias”. Dessa forma, no acordo de
cavalheiros perfeitos semideuses, seguimos adiante nosso rumo, ainda que em
círculos, ainda que em círculos cada vez menores."
Quero tirar da boca dos outros aquele
argumento de que a vida já é triste demais para a arte também o ser e mostrar-lhes
que se a arte mentir, arte ou filosofia, ou o que for, a realidade continuará a
ser triste pois não se preocupará em modificar. Quero que vejam como somos
torpes, vis e miseráveis tanto quanto o cremos teriam sido os medievais e os
"outros" em geral. Quero matar a maturidade, que é a ideia soberba
que desmerece, simplesmente pela idade, os argumentos dos outros chamando-os de
pueris sem debater com eles. Maturidade que se sente superior, que diz que
"um dia você vai compreender", que é mesquinha e foge, se esconde
atrás de uma autoridade forjada dos cabelos grisalhos, mas que é puro
conservadorismo cômodo de quem não precisa mudar, pois poderia ter algo a
perder. Em uma palavra, quero a liberdade. Quero que todos se sintam livres e
queiram que todos se sintam livres, assim respeitando os outros.
Mas, de que importa? A quem importa?
Esse é apenas mais um livro. Um livro que não possui patrocínio, que não possui
contatos, que não possui indicações. As ganas do mercado fizeram com que
literatura se transformasse em mera mercadoria como peso de papel. Como
publicar um livro? Livro é voz e por isso só alguns têm direito. Os demais, nós,
por mais que publiquemos somos presenteados com a indiferença. Como tudo o mais,
o livro, a arte em geral e o direito a voz também foram transformados em mera
mercadoria, submetidas simplesmente à lei da compra e venda, oferta e demanda,
especulação, marketing e nada mais. Um apresentador de TV ou alguma pessoa que
tenha influência sobre grande número de pessoas consegue publicar facilmente porque
garante o retorno à editora; garante o lucro, pois, independente da qualidade
literária o livro será comprado. O mercado editorial não é de divulgação
literária, mas apenas mercado que põe em suas prateleiras o que pode ser
vendido, ainda que o produto esteja estragado, que a qualidade seja baixa, que
o cheiro seja ruim. Se vende, lá estará em lugar de destaque na prateleira. Mas
literatura não é um produto, é arte. E disto esqueceram.
Não posso modelar minha obra ou
reescrevê-la para que ela se adéque ao merchandising. Não me importa se é do
tipo que mais tem vendido no mercado editorial ou se é rentável. Ao mesmo tempo
em que esse mercado retira a condição artística da literatura, incutindo o
caráter mercadoria ao livro, sequer presta ao autor contrapartida da
possibilidade de sobrevivência. Um administrador ruim, tal como um médico ruim
ou pedreiro ou vendedor ou advogado ruins, mal ou bem conseguem viver com a
profissão que escolheram. Já o que opta pelo ofício de poeta com fim literário
e não lucrativo-best seller, duvido que mesmo o melhor viva só de poesia.
Talvez nem o escritor de “literatura Best seller”, a qual provavelmente não
sobreviverá mais de três anos e certamente não mais de vinte anos, consiga se
sustentar por meio dela. Disse já que não se deve ser profissional, mas amador
no sentido de escrever por arte, com liberdade de expor, ideias, sentimentos,
sonhos e não por comércio. Literatura que se preze não é de modismo, não busca
ser vendável, não é historinha. O fim máximo não é lucrativo; é artístico. Se a
obra é mercadológica, para mim não serve.
Se eu gostaria de ter dezenas ou
centenas de milhares de títulos vendidos? Claro que gostaria! Mas gostaria que gostassem
da minha obra como ela é e não vou podá-la, amenizá-la para ser mais atraente
ao público ou escrever uma história que não diga nada. Literatura não é
mercadoria! Não é um produto feito para ser vendido, moldado ao gosto do
cliente. Pelo menos a minha não é. Escrevo para satisfazer uma necessidade de
transcrever-me o espírito ao papel e ele não está à venda.
Bem sabemos que na sociedade em que
vivemos é mais fácil morrer esmagado por uma máquina de refrigerantes ou
atropelado por um elefante na principal avenida de uma cidade grande a ser
descoberto, a ter os trabalhos reconhecidos. A tentativa de ser escritor é o
mais breve atalho para o fracasso. Somos uma multidão de desconhecidos, de
anônimos condenados a serem autômatos. Quem pode pensar? Falar então?! Quanto
mais escrever, já que os textos não têm fronteiras, podem ser traduzidos e
lidos para si ou para outros, em voz alta, em qualquer parte. Mas, insisto.
Escrevo. Independente do valor desta obra e das anteriormente publicadas por mim,
esquecidas, empoeiradas nas prateleiras de biblioteca nenhuma, quantas obras
literárias, artísticas, quantos pensamentos, quantas filosofias, ideias, trabalhos
científicos não se perdem por sermos condenados à mordaça, por não fazermos
parte da sociedade que decide quem vai e quem fica, quem fala e quem emudece, o
que se conhece e o que se lança ao esquecimento?
E assim padecemos da censura, a censura
fingida que nos rouba os meios, que nos ergue muralhas transparentes em frente
às oportunidades para fingir que não as alcançamos por não sermos capazes, mas
elas estão ali. E é aqui que se encaixa meu livro: O Livro de Um Desconhecido.
Um com “U” maiúsculo para dar destaque, para dar ênfase. Encare-se-o como
numeral ou artigo indefinido, tanto faz. Desconhecido também com letra
maiúscula, pois é substantivo próprio. É na realidade o último sobrenome de
todos nós, que ocultam dos registros de nascimento e das carteiras de
identidade. Porém, “ainda continuo sonhando”.