- Como
surgiu o interesse pela atividade ?
A poética
parece-me desenvolver-se junto com a própria existência, de modo que fica
difícil saber se há o surgimento de um interesse tanto por ela em si quanto
pela atividade dela, ou seja, pela tentativa de exercício de expressão da
poética que transita, se desenvolve, se esconde e se desvela dentro do ser. De
qualquer forma, não é um interesse constante, no sentido de não ser algo em que
eu me foco o tempo todo. Entretanto, a poesia se faz presente e influencia
todos os aspectos da vida. O surgimento da tentativa poética da expressão em
palavras creio se dar quando as palavras não davam mais conta de expressar o
que deveriam. Os pensamentos, as sensações, os sentimentos, as percepções não
aceitam mais se encaixar na prisão das palavras, na linguagem do cotidiano e se
transformam em frases por vezes ambíguas, fugidias ou mesmo obscuras, mas que
apenas assim deixam transparecer e clarear os mesmos pensamentos, sensações,
sentimentos e percepções. Dessa inadequação das palavras, dessa incapacidade de
se expressar por elas é que parece surgir a atividade poética.
-
Algum familiar com o mesmo talento?
Às vezes
os talentos permanecem como possibilidade até o termo da vida. Não sei se há
algum familiar com o mesmo talento, se é que há talento nisso. Talvez tenham
nascido, vivido e morrido centenas sem que seus talentos jamais fossem
descobertos. Aliás, talvez não. Com certeza. Não sei se na minha família, mas
com certeza a maioria dos talentos passa pela vida sem que possamos desfrutar
deles, infelizmente. Então, não sei.
-
Quanto tempo se dedica a essa atividade ?
Bom, como
expliquei há pouco, é uma atividade constante e incessante, podendo ser mais
forte ou mais fraca. Assim, eu poderia dizer que dedico todo o tempo do mundo a
ela. Por outro lado, não dedico qualquer tempo, pois entendo que não pode ser
programado um tempo no qual a atividade poética deva acontecer. Ela é livre, por
isso desobediente. Ela se apresenta quando quer. Cabe conseguir aproveitar o
lampejo em que se a vislumbra e descrever esse indescritível contato. Além
disso, ela é tímida. Não se apresenta quando se sente malquista ou estar em um
ambiente opressor. É uma atividade que é em grande medida sufocada pelo
cativeiro das atividades cotidianas, principalmente pelo controle, pela
vigilância e pelas exigências dos ponteiros dos relógios. Em compensação, todo
esse sofrimento pela qual a poética passa, é guardada como energia potencial
até o instante de explosão transformadora que é capaz de alterar inclusive o
mundo e a representação dele.
- Fale um pouco dos obstáculos e/ou conflitos q
enfrenta/enfrentou para se dedicar a essa atividade. Como fez/faz para
ultrapassá-los?
Acabei me
antecipando um pouco e já citei os obstáculos. Grande dificuldade além das
citadas seria referente não à atividade, mas à ampliação do alcance da
produção. Julgo como um problema inclusive na liberdade de expressão.
Felizmente, meu último livro, Livro de Um Desconhecido – o qual é composto de
contos, enquanto os três primeiros eram de poemas – conseguiu alcançar as
prateleiras de Brasil e Portugal. Mas, o que se precisa pensar é que expressar
é dar algo a entender a alguém, manifestar algo a alguém, revelar algo a
alguém, explicar-se a alguém. O direito de se expressar, a liberdade para se
expressar somente se pode concretizar plenamente quando há contato entre o
emitente e o destinatário. A liberdade de manifestação do pensamento não se
restringe, pois, a simplesmente poder dizer o que se pensa. Não há liberdade de
expressão se as palavras não encontram os destinatários, e essa plena liberdade
se faz pela igualdade de possibilidade de alcance, de disponibilidade de meios.
Não é liberdade de manifestação se não se dispõe de iguais meios para
propagação do pensamento. A ausência dos meios que permitem a divulgação das
ideias impede uma verdadeira liberdade de expressão e manifestação, na medida
que aquele que se manifesta e se expressa espera encontrar a atenção daquele
que se interessa pela mesma questão de forma a, com isso, pela explanação e
debate, construir algo comum.
- De
que forma essa atividade contribui para seu desenvolvimento pessoal e
profissional?
E
atividade não encontra grandes espaços para seu desenvolvimento no árido
ambiente da impessoalidade das determinações dos escritórios. Essa ausência de
pessoa é negação do agente, muito embora ele ainda esteja presente, mas se vê
não responsável pelas suas próprias ações, é objetificado. Ali onde o agente é
negado ou ocultado, a subjetividade, a manifestação do ser não encontra espaços
adequados para construir sua morada. A contribuição poética é demasiado
sujeito, agente; é velar-se e desvelar-se, com isso, constante movimento, o
qual não se constrói na rigidez que conserva. A criatividade é questionadora,
transgressora, inconveniente, inadequada, imoral, ilegal e engorda. Em outras
palavras, a criatividade é a negação dos padrões e sua construção a partir de
si mesmo. É inegável que não há poética sem criatividade. Assim, quanto menos
constrangido por formalidades, mais essa atividade contribui para o
desenvolvimento profissional.
-
Uma personalidade?
Uma
personalidade? Fleumático-Melancólico. Não tenho grande apreço por personalidades,
sendo afeto a ideias. Mas, já que se pergunta também uma frase, vou mencionar o
autor da frase que é interessante para a nossa reflexão, já que estamos no
serviço público. Podemos a partir dela também pensar a poesia e a criatividade
na medida transgressora que expliquei ver na poética em sua essência: Mikhail
Bakunin. Com ela em mente, fica muito mais fácil identificar e trilhar os
caminhos da liberdade.
- Uma
frase?
"Tudo
o que serve é bom, tudo o que é contrário a seus interesses é declarado
criminoso, tal é a moral do Estado."