sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Sonho



Sonho é aquilo que buscamos alcançar
E é, assim, o alicerce da vida.
Mas quando ele se torna maior que nós
E deixa de ser uma meta a cumprir
Para uma satisfação fútil e rotineira
Se tornando maior que o mundo e o tempo,
Mais mesmo que a própria existência,
Então ela deixa de ser movida pelos sonhos
E passa ela própria a ser não um, mas O sonho.
E não há nada que possa ser melhor,
Mais grandioso e sublime,
Não há nada mais fantástico que se possa sonhar
Do que a vida ser sonho desperto.


Curso de Poesia



Certo dia, veio e me disse uma amiga
Que frequentava um curso de poesia
E falou a autoridade do professor
Que de cada autor, em cinquenta, uma é boa.

Então comigo ela quis comprar briga,
Pois eu disse acreditar que nada valia
Um curso desses, mesmo se barato for.
Inspiração e alma não se vende ou doa.

Ô Maria, por mais que você o siga,
Esse curso é verdadeira patifaria!
Perdoe-me se lhe tomo tempo, leitor,
Mas meus textos eu não escrevo à toa.

Permita-me, senhorita, que eu lhe diga
Que a natureza da técnica é fria
E na poesia ressalta o sabor
O impulso que no espírito ecoa.

Essa sua tal aulinha duma figa
Não consegue ensinar a todo dia
Ser atento e exímio observador
E simplesmente invadir qualquer pessoa

Para lá encontrar aquilo que liga
O ser concreto à íntima fantasia,
Àquilo que ao cotidiano da cor,
A ouvir o que pelos poros dela soa.

Deixe de conversa e saia dessa intriga.
Tudo que a minha caneta livre cria,
Pode até não me parecer ter valor,
Mas não deixo que a dúvida me corroa.

Mesmo se ruim, a esperança irriga
Daquele que, de publicar, nenhuma tinha.
Perca da crítica esse seu pavor.
Só soltando os versos é que se voa.



Poema do Vida e Poesia

De quem é o Horizonte?



Ao passar pelo interior do Mato Grosso
Não pude deixar de lembrar de Goiás.
O pensamento de outrora floresceu ainda mais
Entre a propriedade e a terra, ante o fosso.

Admirava tranquilo o longínquo horizonte,
Sempre inalcançável, que se estende naqueles campos,
E a luz quase mágica dos pirilampos
A substituir o sol que se escondia atrás da ponte

Que sobre o rio, impávida descansa
Enquanto as águas correm apressadas
E arrastam as folhas com seu destino cada
De levar todas ao oceano, na ânsia.

Apreciava distraído o inefável quadro
Quando alguém me disse que tinha de sair;
Que eu não podia estar sentado ali,
Pois estava em terreno privado.

Em vão discuti da posse o direito,
Mas era ele só um pobre capataz
Que ao me expulsar, mal sabe o que faz.
Só obedece da terra o dono. O prefeito.

Saio dali com a certeza de ter sido roubado.
Impedido até mesmo de com o horizonte sonhar.
Cerceado de escolher meu destino onde desejar,
Pois por toda a parte o caminho é murado.

E eu, preso do lado de fora.



Poema do Vida e Poesia

Angústia



Angústia é aquela sensação
Que cresce dentro de nós,
Mas ao atingir o ápice,
Ao encher-nos de energia em potência,
Desaparece sem terminar.
Não se conclui.
É vontade que não pode ser saciada;
É sabida impotência.

Se saudade é a certeza
De que o passado valeu a pena.
Então angústia deve ser
A certeza de que o futuro
Nada tem a nos oferecer,
Senão passar todos os dias
Esperando o fim deles.


Poema do Pretérito Mais Que Presente

Timoneiro


Algo que se almeja e sempre se teme
É, da vida, conseguir o leme.
É manter esticadas as velas
Receber tempestades nelas
E resistir ante as intempéries.

Há que se saber, de ancorar, a hora
E também quando se deve ir embora;
Nunca restar somente à deriva.
Apreciar a lua, bela diva,
Sem ceder à nostalgia excessiva.

Tem-se do azul mar a amplidão
Para velejar com o coração.
Não negar nunca os fatos
Resultantes de seus atos.
Orientá-los pelas quimeras e sonhos
Dos momentos tristes e risonhos.
Não desfalecer sob os grilhões e correntes.
Enfrentar os medos recorrentes.
Aproveitai a solidão, ó marinheiro,
Noite e dia neste intenso cruzeiro.

Não preocupar-se jamais com a morte.
Modificar sempre a própria sorte.
Não há destino ou acaso
Se não se permanecer lasso.
(já não tenho mais medo da vida)

Seja a vista ruim ou boa,
Esteja impassível à proa.
Se quiser altere o percurso
Todavia, sê firme em teu pulso.
Os pés no convés e as nuvens a teus pés.

Iluminação



Hoje me veio uma luz e
Disse-me quem sou.
Conto em resumo bem conciso.
Sei o que quero, o que fui,
Para onde vou, quem sou...
Fui alguém que procurava saber o que é.
Quero ser imortal
Mesmo que eu nunca escreva um livro
Que trate do assunto
O que descobri estará por aí.
Todos são imortais,
Porém não no sentido religioso.
Sou imortal porque o que eu disse, fiz, escrevi, pensei...
Está tudo no ar, nas construções e nos ouvidos,
No cérebro de todos que já
Ou me conheceram, ou simplesmente
Um dia me viram na rua, ou
Respiram o ar que saiu com parte de mim.
E o principal, estarei no cérebro
De todos que já me ouviram ou leram
De maneira a influenciar-lhes o pensamento
E ser passado para os filhos e netos deles
Mesmo que de maneira imperceptível.
Assim, sou todo o universo.
Sou parte dos que conheci, e
Parte de quem nunca verei ou vi.
Sou tudo!
Mas...
Não sou nada!
Sou só uma parte de elétron
De grão de areia no universo,
Entretanto, isso não faz com que
Eu deixe de ser ele todo.

Ao pio da coruja



A noite grita em meus ouvidos
E dormir não me permite.
Em meus pensamentos moídos
Ecoa o silêncio doloroso.

Em minha cabeça retumba
Surdamente um histérico bumbo
Semelhante ao de macumba
Com seu ruído pavoroso.

Ó silêncio! Grande silêncio
Provedor de visões do mundo
Faz qualquer alma sucumbir
Por mais feliz que o pense.

Reflexões do antes do amanhecer
Diante do céu nebuloso e escuro
Envolto firmemente pelo relento
Do meu coração por um furo
Jorra a vida que me embaça a vista
E não consigo mais saber
Quanto de mim o mundo dista.



Devaneio de domingo



Oh, que maravilha!
O sol sempre brilha.
À pele do rosto
Sempre bem disposto
Ilumina-me.

Os floridos campos
Estes já são tantos
Que contar eu não posso;
E eu não me esforço.

Sorrisos na rua,
Esplendor da lua
Só isso que existe.

Que de mim não diste
Este mundo acima
Esta obra-prima!



Tão próximo e tão distante



Enlevam-me tuas formas arredondadas
Suavemente com leveza e perfeição.
Erguem-me a alma tuas risadas dadas
E enchem-me de sentimento o coração.

Quanto tu me vês, o teu olhar receoso
Põe-me a temer que agora tu descubras
O quanto poder admirar-te dá-me gozo,
Deixando-me a face levemente rubra.

Ah, como eu gostaria que tu soubesses!
Mas não sei como poderia te dizer
Se tu em minha direção não vieres.

Tenho medo... Muito... De afastar você.
Muito embora eu ainda não te conheça
Não posso jamais permitir que tu me esqueças.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Quarta-feira*

Engraçado que enquanto vez por outra
Tenho absoluta certeza de que
Tudo que penso pode vir a ser poesia
- Talvez por meus pensamentos serem conversa
(Com quem eu não sei. Comigo?)
Cartas a serem escritas -
Da mesma forma que não raro estou certo
De que tudo que escrevo de fato
Não é mais aquilo que eu queria.

Pensando nisso subia a rua,
Ao anoitecer frio de Porto Alegre,
Carregando numa das mãos livros
Que comprei para preencher o vazio
que está instalado em meus pensamentos,
E noutra o lanche que comprei
Para preencher o vazio do estômago,
Apertei o passo para chegar logo em casa
E tentar passar isso para o papel.
Fui parado pelo fluxo de carros
Intenso na Avenida Independência a essa hora.
(Independência... Queria compreender o que significa...
Parece-me ter algo a ver com liberdade,
Mas não entendo nada disso)

Nesse momento pude ver-me como outro.
Era como se eu ali, apressado,
Com a mente num turbilhão,
Alheio a tudo senão ao semáforo,
Pudesse me inspirar uma poesia
Se eu passasse e me visse.
(e eu me via)
Será que alguém já fez isso?
Poetizar diretamente sobre si como se fosse outro?
Não pareceria arrogante?

Eu, ali,
Com os olhos para um lado e para o outro,
Parado, mas visivelmente apressado,
Dividindo a atenção entre mim e o sinal,
Com os pesados trajes pretos
E a bota surrada
(Parecia de pedreiro, me disseram mais cedo,
Mas pouco importa o que parece
Ou de quem parece. Dá no mesmo)
Os cabelos despenteados...
Pensei: o que pensariam que eu estaria pensando
Se se perguntassem sobre isso?

Dificilmente esse alguém
Acertaria que pensávamos o mesmo.

Abriu o sinal para mim.
Desci a rua a passos largos,
Cheguei em casa
(Depois de trocar algumas palavras com o vendedor de Frutas.
Muito tímido e humilde esse Seu Vilson.
Não sei se é assim que o chamam, mas é como eu chamo.)
Peguei o lápis...
Mas eu jamais poderia,
Nunca mesmo conseguiria,
Ser eu o outro de mim mesmo.

Besteira escrever sobre isso.
Assim mesmo comecei...
Não deu certo...
Meu lanche esfriou enquanto isso.
Não satisfiz nem minha cabeça
E nem satisfiz o estômago.