segunda-feira, 4 de junho de 2012

Último Poema



Diga-me que não adianta mais,
Que não dá mais tempo... ele passou.
Diga-me que não há mais como, onde, porque,
Que não faz mais diferença.

Diga-me que só sobrou existir,
Que não terei mais voz para poder fazer silêncio,
Que não há mais possível,
Que não há mais vida e poesia.

Explica-me que nos rendemos.
Convença-me de que é melhor assim
E para nós não há mais querer ou poder.
Incuta-me que o que podia ser fogo já queimou.

Não me deixa iludido. Fomos vencidos.
Mostra-me que sobrou nada.
Ensina-me a aceitar perder,
Ainda que seja a razão de viver.

Prova-me que esses entulhos, essas ruínas
São daquilo que nós construímos.
Não me faça acreditar sozinho
E avisa-me que meu idioma é outro.

Tira-me essa dor que é pensar,
Que é sonhar, que é querer, que é ver...
Que é ouvir o murmúrio mudo das almas
Acorrentadas à impossibilidade de nossas forças.

Grita-me que a luz que brilha, fere.
Empurra-me para o outro lado, que ensurdeci.
Joga-me água gelada ao rosto...
Pois ainda continuo sonhando.

Depois do fim, café, cigarro e trabalho*



Aqui, sentado debaixo da sombra das árvores
Mirando o mar tranquilo
Nessa terra distante
Posso ser quem eu queira.

Se decido, sou Juan
O operário que ficou desempregado
E foi desalojado pelas obras do governo
E agora vive nas ruas.

Também, se eu decido, sou a puta Manuela
A qual espera na esquina um outro cliente
Enquanto tentar recordar-se de uma poesia de Borges,
Uma que trata de um encontro

Em uma esquina ou cruzando uma rua
Onde se despede de alguém pela última vez
Sem saber que o faz.
E aí nesse lugar vem Juan

Quem com o dinheiro que sobrou
Paga por seu serviço
Em busca de um pouco do amor
Que a vida lhe negou.

Então tomam um taxi.
E nesse instante sou Martin
O taxista paraguaio, imigrante ilegal,
O qual os vai levar até o motel

Onde passarão a noite,
Ele como Carlos Magno,
Ela como a Rainha Elizabeth,
Compartindo o tempo e o mundo

Praticando o amor, mesmo sabendo que não durará
Ela finge que o ama
E ele a ama crendo que ela finge.
Interrompe-me um mendigo

Pedindo um cigarro
Que eu sequer fumava
Posto que aquele com o cigarro nas mãos
Não poderia ser eu

Já que eu era a lua que sorria
A observar o amor verdadeiro do casal.
Verdadeiro porque cada um não esperava do outro
Receber o que dava.

Dei-lhe um e notei que nem mesmo havia árvore
Em cuja sombra eu sentava
Somente um barco só ao mar
Flutuando ao gosto da maré, do vento e das ondas.

Transformei-me em vento a decidir o rumo
Que tomariam todos
Por ser o motor das chuvas e, com isso,
Dos alimentos e das sociedades, humanas ou não.

Enquanto eu pensava nisso,
Todavia voltei a mim mesmo
Que caminhava pela orla
Tão sem preocupações

Que já estava distante da cidade.
Comecei a retornar para buscar umas folhas
E também uma caneta
Para tentar escrever o que eu pensava

Certo que sairia outra poesia,
Porque eu já esquecia as palavras
Porém, de que importa?
Seria igual a mim

Nesse café
Tomei meu último trago e paguei a conta
Já que havia horas que eu estava ocupando uma cadeira
Perdido em nada, olhando pela janela
As pessoas que se apressam nas ruas.

Saí, acendi um cigarro
Me queimei com ele
Joguei a guimba no lixo
Senti como se eu tivesse jogado parte de mim mesmo
E voltei ao trabalho.


 * Poema que se segue a "A Rua"

Poema que se segue ao "Retalhos"


Gosto desta esquina.
Aqui onde estas duas ruas se cruzam,
Onde estas quatro quadras se encontram
E a gente passa sem se ver,
Eu simplesmente não existo.
Que poderia eu interessar se estes prédios já viram tanto
Em suas centenas de anos de história?
Tantos outros eus aqui já se detiveram
Já os admiraram e pensaram.
Quantas lágrimas terão vivido estes edifícios?
Neles, gente conseguiu seu primeiro emprego
Perdeu seu último
Dentro e fora deles tantos amaram
Tantos foram perseguidos, dedurados
Aqui neste mesmo bar gente comemorou
Embebedou-se, saiu sem pagar
Quantas brigas e surras não terão visto?
Quantos fugindo da polícia, sendo presos,
Gritando por direitos ou contra deveres?
Certamente já desistiram de tudo
E se atiraram de suas janelas.
Minha vida aqui, o que é? O que vale?
Seria no máximo mais uma história
A se acumular na lembrança destas paredes
A ser contada pelo limo e pela poeira do passar de seus anos
A alguém que se detenha aqui
E os tente ouvir
Se eu pudesse escolher
Eu seria esta esquina
Mas não posso
Ela sim, em uma ínfima parte de si
Tem-me inteiro.

Poema que se segue a "O Viajante"


Andava pela rua
Quando esbarrei comigo mesmo
Não tive dúvida
Era EU
Olhei para o céu
Olhei para os lados
Olhei para baixo
E lá também era EU
Era EU por toda parte
E agora, poderei me abandonar?
Poderei despedir-me de mim?
Poderei fingir que não vi
Enquanto estou por toda parte?
Respiro EU!
Eu estamos aqui
Não posso voltar...

Poema que se segue ao conto "Um Encontro"


Como a qualquer passante
Com quem se troca um olhar
Ao caminhar na rua, num instante,
Ao virar a esquina, deiacntxamos de existir.

Sem sequer ensaio de despedida
Um ao outro não se é mais
E nem ao menos há como certificar
Se ainda há aquela pessoa.

Nem ao menos ter a certeza
De que não passou de alucinação.
Crê-se, por mera conveniência,
Que tudo continua normal.

Assim como ao andante desconhecido
Não se diz adeus;
Assim como à própria vida
Não se diz adeus

Vão-se, vamo-nos, sem perceber
Sem ser percebidos.

Em ré menor vida*



Tudo passa, é verdade
Mas a certa altura
Passa tudo mesmo
Mesmo o que deveria ficar

Passa a vida e nem me olha na cara.
Melhor assim, pois não quero defrontá-la
Passa a vida e mal educada
Sequer me cumprimenta.
Deixe-a ir. Prefiro. Não quero confrontá-la.

Passa e, como a lebre à tartaruga,
Adiante se detem e descansa
Não sei se para mostrar o caminho
Ou se para me lembrar que a ela sou nada
Que ela pode alcançar sempre mais que eu
Não tenho como controlá-la.

Por mais que eu quisesse provar
Que posso construir outros caminhos
Arrasto-me na direção dela
Lutando contra a estafa
Que os rumos que ela traça, me impõem

Porém, não sabe ela que tenho meus truques
A dor que me aflige, que não posso suportar,
Passo. Passo pro papel e divido por sete bilhões.

E quando me esgoto da vida que me cerca
Dela me alimento para seguir e conseguir

Só que quando eu chegar
Ela, descansada, se põe novamente a correr
A vida corre. Para que a pressa?!
- Ei, para! Espera!
Espero tanto de ti
E tu esperas nada por mim?!
Pulha, vil, patife.
Não vale nada…
Vida ingrata!

* Poema que se segue ao conto "As Cartas"