Olho para o espelho e penso:
- Quem é este que me observa?
Definitivamente não me reconheço.
Aquele do outro lado não sou eu.
Mas por que o espelho mente para mim?
O rosto, os olhos, a expressão
Que outrora me foram tão familiares
Já não são mais meus rosto, olhos, expressão.
Por que toda esta estranheza?
O que terá me feito tão diferente
A ponto de doer-me no peito
A mentira do espelho?
Por dentro daquele olhar lânguido
Percebo não mais dentro de mim.
É outro que habita o corpo
E sem ter me pedido permissão.
O tempo que lhe castigou,
O mundo que lhe erodiu o espírito
Moldou-o num ser distinto
Que não posso aceitar ser eu.
Não posso aceitar ter meu espírito rijo
Sido amolecido, talhado sem esforço
Ao bel prazer do seguir dos dias
Como se não houvesse vontade.
De que me terá valido
Todo o esforço de pensar
Se nem mais eu mesmo
Consigo acompanhar minha caminhada?
Temo ter iludido a mim mesmo
Ao ousar crer poder ser.
E agora me é jogado à cara,
Sem a menor piedade, o que não quis.
É-me mostrado o retrato exato
Daquilo que, apesar dos esforços,
Na verdade é o que me tornei.
Todo o árduo trabalho; vão.
Ludibria-me a luz
Que chega aos meus olhos,
Porém também a que
A que arde dentro de mim!
Perdi-me ao olhar o sol
Que descansa sobre nossas cabeças.
Cria poder compreender algo...
Enquanto isso meu corpo seguia.
Não me acompanhei na estrada.
Sumiu-me da vista atrás da poeira
O destino que a vida tomou
Enquanto eu colhia flores.
No caminho agora deserto,
À margem de mim mesmo,
Resolvi lavar-me o rosto
Nas claras águas de um lago.
Este impiedoso e certo,
Na sua superfície estática
Suspirou fundo, chamou-me,
E como quem sabe da verdade, disse:
-As idéias e pensamentos dão o rumo,
Mas o caminho sinuoso
Se faz com as pernas e pés
Que não questionam a si.
Busquei ser algo mais
E pensando inflar-me, esvaziei.
Indiferente a mim, prossegui
E lá atrás abandonei eu mesmo.
Hoje carrego sobre os ombros curvados
O peso do tempo à existência oca.
Defronte de mim, com piedade, olha-me o outro.
Aquele que sem pensar alcançou o horizonte.
Eu, crítico e austero,
Fiz-me quadro vetusto.
Com essa dor eu me deito
E tenho que dormir.
Amanhã é terça-feira
E o mundo não me espera.
Se ao menos seguisse o rumo
Que lhe é caro e me deixasse!
Mas, em vez disso, me arrasta;
Me empurra e me leva com ele.
Não, Não quero! Deixe-me!
Não posso passar sequer um dia
Espiando-o de fora
Ou simplesmente ignorando-o?
Talvez eu tenha feito
E hoje, ao olhar meu reflexo
Afirme que decerto não é meu.
Mas, ou ele ou eu mentimos.