Livro de Um Desconhecido

Livro de Um Desconhecido é composto por contos e crônicas que abordam as relações pessoais, a forma como se lida com o tempo, os conceitos morais, o cotidiano, a humanidade entre outros. Ora os textos conduzem suavemente o leitor sem maiores percalços, ora o chacoalha ou coloca-lhe um espelho em frente para mostrar-lhe quem ele esqueceu que é. Às vezes polêmico ou dramático às vezes cômico ou plácido é uma obra para refletir. É um livro para entreter enquanto se observa e repensa o mundo e, mesmo por ironias, possibilitar novas construções do que sobrou do passado já conhecido.


Apresentação

Por Paulo Sabino*


O livro de estreia de Diego Mileli como contista mostra, já no prefácio, que o escritor não veio para brincadeiras.

Arte, aqui, é assunto sério e, como tal, precisa ser cuidado e trabalhado com atenção e sem meias verdades. O autor não admite concessões de espécie alguma quando se trata da abordagem e dos assuntos tratados nos contos que formam o "Livro de um desconhecido".

A começar pelo seu início: a desnecessidade da obra, para o próprio autor, é latente; é como se, para o próprio Diego, fosse um "erro" a existência da literatura. Mas a necessidade existente, no autor, de escrever a sua obra, fala mais alto. E essa necessidade de escrevê-la, de escrever a obra, ao invés de deixá-la inacabada, e essa necessidade de traçá-la ao invés de largar os escritos pela metade, acaba por transformar o ato da criação em um ato de cobardia. Pela falta de coragem para desistir de tudo, o homem escreve e faz literatura.

O ato de escrever como o ato de cobardia: a falta de coragem de homens, que podem achar-se corajosos porque escrevem, é desmascarada. Escrever, segundo Diego Mileli e Bernardo Soares (um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa), é um ato para os fracos.

Há, durante toda a obra, o interesse (ainda que implícito) de ir revelando, de ir desmascarando, de ir mostrando, que, no fundo, somos feitos de fortalezas porém de fraquezas muito mais, que, no fundo, somos frutos de um processo natural de seleção e que achamos que estamos "acima" desse processo natural de seleção. O homem pode terminar com as condições necessárias à sua própria sobrevivência e ainda não se deu conta disso, apesar de todas as previsões, apesar de todos os pesares causados por um processo desastroso de industrialização e produção de "riqueza". A dizimação do planeta que nos acolhe, pelo visto, está longe de parar.

Se, como propalado aos quatro ventos, somos feitos à imagem e semelhança de um ser superior a que chamamos "Deus", o conto "Gênese" deixa claro que esse "deus" que nos criou à sua imagem e semelhança sabia bem o que estava fazendo, mesmo que não imaginasse, bilhões de anos após a nossa criação, do que seriam capazes as suas criaturas de fazer com a Terra. No conto, "Terra" é a esposa de Deus Pai Todo Poderoso, a grande responsável pelo surgimento das belezas mundanas no planeta que é batizado com o seu nome.

Em "Breve história da humanidade", há um histórico resumido do modo como fomos arquitetando o conjunto de padrões comportamentais e de obrigações que denominamos sociedade, resultando nos valores e nas ações sociais tais como "roubo", "justiça", "propriedade", "exclusão social", "prostituição", "traição", "família" e "adultério". 

O encontro de sociedades diferentes culturalmente mais a destruição e os distúrbios ocasionados pelo etnocentrismo estão presentes em "Mitologias apócrifas", conto que narra a chegada de um estrangeiro em um povoado que tem o seu cotidiano totalmente modificado - para pior - depois das novas regras, dos novos conceitos e dos novos valores embutidos pelo estrangeiro na tal sociedade por ele descoberta. São reveladas as dificuldades que as sociedades humanas têm, desde sempre, em lidar com o que é diferente, geralmente destruindo aquilo que estranha e desconhece.

Há espaço também para as mazelas de uma vida moderna, onde as pessoas brigam com o relógio - porque não sobra tempo para nada, apenas para o trabalho e para as obrigações individuais - e esquecem de conhecer aquele que está ao seu lado, aquele que, de repente, passa todos os dias pela gente sem que a gente se dê conta - um vizinho, por exemplo. São tantos os afazeres de uma vida moderna e urbana que alguns valores são deixados para trás no meio de tanto corre-corre. 

Os contos realçam nuances de uma sociedade onde todos preocupam-se, antes e apenas, com os seus problemas e seu bem-estar, onde os valores incentivados estão embebidos, estão encharcados, de doenças sociais: os preconceitos, as injustiças sociais, a desvalorização da vida. 

A arte dos contos de Diego Mileli manifesta-se sem aspirações de adoçar a boca (e os olhos) dos leitores com linhas açucaradas, onde os sorrisos desabrochem no porvir das páginas. 

E é melhor que assim o seja. 


Paulo Sabino é comunicólogo, poeta e mantenedor do blog www.prosaempoema.wordpress.com



Nenhum comentário:

Postar um comentário