A população reunida às dezenas de
milhares em organização e luta por uma causa comum, ocupando todas as faixas da
rua, tomando as calçadas e se estendendo por quilômetros por não caber em menos
espaço. É a consciência política da importância individual compondo um coletivo
forte, ciente dos impactos econômicos e sociais que pode causar, onde cada
indivíduo se vê como agente da construção da sociedade e, sendo assim, se
manifesta para fazê-la tal como concebe melhor. É incrível! São os frutos da
democracia impelindo a população à reflexão e à ação, à participação. Em plena
segunda-feira, no meio da tarde tantos se ausentarem do trabalho para tentar um
futuro melhor! O aprimoramento do
espírito democrático. É lindo!
Essa pode ser a impressão de
algum desavisado que venha a assistir pelos telejornais ou quem vier a ler
alguma notícia nos grandes veículos sobre o ato chamado de “Veta Dilma”. Pode
até ser que este seja o viés a que se queira induzir quem não sabe o que
acontece, já que normalmente os protestos são organizados pela população contra
o governo, condenando-lhe atitudes ou exigindo-lhe outras. Porém, este tal
“Veta Dilma”, sobre a distribuição dos “Royalties do Pré Sal”, foi organizado
pelo Governo do Estado, em faixas, cartazes e comerciais na TV com uma
propaganda milionária que sei lá quem pagou. O Governador é contra que os
royalties – que grande parte dos participantes do protesto e da população em
geral, certamente não sabe do que se trata – sejam distribuídos entre todos os
Estados brasileiros. Seria Injustiça.
Para garantir a participação, as
empresas de transporte – que nos roubam diariamente com tarifas absurdas – liberam
as catracas (só no sentido centro e no horário do ato e depois de volta para
casa) para garantir que todos possam ir, afinal, os salários que nos pagam para
trabalhar nas empresas deles muitas vezes não nos permite arcar com custos
extras de passagem, nem para lazer, quanto mais para protestos. Assim não tem
desculpa. Todos podem comparecer.
Se fosse à noite, ninguém
compareceria, pois já estaríamos cansados das longuíssimas e estafantes
jornadas de trabalho. Com isso, voltaríamos todos para casa enfrentando as duas
horas de trânsito para, com sorte, ter umas duas horas de descanso antes de
dormir de novo para trabalhar no dia seguinte. Por isso, o ato é à tarde.
Mas, trabalhamos e não poderíamos
comparecer. É em dia útil (para quem?) e em horário que se está preso ao labor.
Todavia, o Governador e o Prefeito querem a qualquer custo mostrar que a
população apóia o pleito deles, ainda que não saiba o que são royalties e como
isso vai melhorar a vida dela, já que o Estado é um dos mais ricos do país, o
país é uma das maiores economias do mundo – a sexta, acima da França, disse
orgulhoso o Ministro da Fazenda –, mas a educação é uma das piores do mundo e a
desigualdade social uma das maiores. Governo
Estadual e Municipal decretam ponto facultativo. A fim de não ter desculpa de
não participar, patrões dispensam os empregados com a justificativa de que o
ato vai complicar o trânsito e a volta dos funcionários para casa, mas
provavelmente não haveria ato se eles não fossem dispensados. Não seria isso
uma espécie do proibido “lock out” já que os empregados são proibidos de
trabalhar pelo trancamento dos locais de trabalho em uma reivindicação? Mas,
ah, agora sim todos podem comparecer.
Enfim... Serei eu também expulso
do meu trabalho e irei para casa pelas ruas em meio às pessoas correndo para
seus lares – diga-se de passagem, se enfileirando ante os cobradores do metrô,
do trem e do ônibus para pagar suas passagens. Chegarei em casa sem saber o que
são royalties, e qual percentual será cobrado pela exploração ou se está
compatível com o resto do mundo; sem sequer imaginar onde irá esse dinheiro,
quem o paga e com qual ontra-partida; e mesmo sem ter ideia do que é Pré-Sal ou
de como se extrai o petróleo, do qual tenho uma noção imprecisa do que é, dessa
camada tão profunda que eu não tinha notícia de existir. Assisto perplexo a
este evento que, não fosse a luta por uma causa, soaria carnaval, já que tem
shows, apresentações de “famosos” e trios elétricos. Quase todos, acredito, sem
nem mesmo aquelas consciências as quais citei antes.
Este mesmo evento, usando o nome
da Justiça (ela mesma, não o Judiciário), defende a concentração de riqueza na
parte do país que mais possui – alimentando as desigualdades regionais que
ocasionam em migração de pessoas e capitais dentro do país – a esvaziar umas
regiões e inchar outras cidades até a explosão, aumentando o mar de problemas
que decorrem dessa concentração, mas a população pouco e o governo quase nada
se manifestam para solucionar. Entre os problemas, o transporte – caro, lento,
insuficiente e restrito em espaço e horário. E com que qualidade! – que segunda,
por deboche ou não, nos ofertarão com alguma gratuidade. Um espetáculo!
24-11-12