segunda-feira, 23 de abril de 2012

A Caminho



Hoje eu durmo aqui nessa cidade.
Sobre amanhã já não posso dizer.
Enfim, não há mais nada que me prenda
Que eu não possa encontrar noutro lugar.
Saio exatamente como antes cheguei.
Qualquer que seja o destino que tanto faz,
Desconfio que as experiências serão as mesmas,
Porém, fantasiadas de novidade pelo ambiente
Conquanto se saiba serem os mesmos sol e lua a brilhar,
E as mesmas pessoas, embora outras, com as mesmas sinas.
As incertezas do caminhar são iguais,
Sejam do caminho que sempre sigo
Ou daqueles que nunca desbravei.

Por isso, vou-me, mas deixo uma parte,
A qual me permitirá sempre estar aqui
E revisitar sempre que eu tenha vontade.
Parto só, mas levo todos.
Assim, não serei abatido pela saudade.
Já se por ventura deixei alguma,
Agradeço e deixo minha lembrança,
Que pouco a pouco vai ser esquecida,
Ultrapassada pelo natural andar das coisas,
E deixo meus textos para, se alguém desejar,
Um dia ser revivido.

Silêncio de Junho



A última vez que você veio
Foi para me dizer adeus.
Agora diz que vai voltar
E me faz esperar todo o dia,
Dia a dia à iminência do regresso.
Aguardo já como de costume,
Como tenho feito todos os dias
Para tentar me confortar
Por meio do autologro, da ilusão.
Porém, dessa vez ainda cri
Que fosse realmente acontecer
E no próximo segundo
Ao meu lado estaria você.
Fantasiei que me diria
Ter se arrependido de quando partira
E que agora nada lhe tiraria daqui.
Enganei-me apesar dos fatos
Os quais sinalizavam nitidamente,
Tentavam me acordar,
Chacoalhavam-me a dizer
Que não, que você não viria.
Perdi-me no encanto do sonho
E julguei por verdadeira a miragem;
Banhei-me no oásis onde só havia areia;
Contei as estrelas de dentro do quarto fechado;
Pensei ser seu corpo que me abraçava
Quando era a coberta com que eu dormia.
No entanto, tudo já o sabia
Que não eram dragões e sim moinhos
Que não havia céu, mas subsolo
E os verdes campos eram mentira.
Esperei de pé à porta
Por crer que qualquer ruído de passos
Poderia ser dos seus a me procurar...
Mas eu restei cansado à soleira da porta.
Mas eu jazi da espera ansiosa
E ao canto me sentei...
Contava o tempo, tentando apressá-lo,
Contudo, parecia passar o contrário.
Deitei-me e pus no chão o ouvido
Para tentar poder ouvir
Seu caminhar, ainda que longe...
Porém, a única notícia que me chegou
Foi o seu eterno silêncio.

A Arte de Escrever



Escrever é como cagar.
Às vezes se tem que fazer esforço
E sai aos pouquinhos.

Às vezes se sabe que se precisa escrever
E se tenta, se esforça e não sai nada.

Às vezes se segura por não ter papel
Ou não pode fazê-lo no meio de todo mundo.
Então, se chega numa privada parte
Ou de preferencia na própria casa e,
Quase sem pensar,
Se expõe ao mundo aquilo que lhe afligia.
Porém, às vezes, de tanto se controlar,
A vontade passa.

Outras vezes são tantas ideias,
Que mal se pode levantar
E outra vez tem que sentar
E continuar o trabalho.

Depois de tanto escrever
Ainda temos a impressão de que podemos mais
Rabisca-se algo, mas só suja o papel.
Perde-se tempo e não sai nada.

Às vezes se pensa que
É apenas uma pequena anotação
E quando se vê, desprevenido,
Se faz uma grande obra.

Há gente que diz que vida é poesia.
Agora acho que concordo.
Por isso toda essa merda!

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Política e Futebol



Caminhando pelas ruas neste domingo,
Dia em que normalmente são calmas e vazias,
Deparei-me com aquela multidão e balbúrdia,
Som de bumbos, cornetaço, bandeiras e gritos

Ante a enorme euforia e ânimo
Que não podiam esconder os cidadãos,
Pensei que os olhos tivessem se aberto e eu fosse presenciar
A tão afamada Revolução Popular.

Mas claro que não! Que tolice...
Era a final do Campeonato Gaúcho!

Quando autoriza o prefeito o roubo
Na forma de aumento nas passagens de ônibus;
Quando os governadores são acusados de corrupção;
Quando senadores são senhores feudais;

Quando empresas demitem em massa;
E carros de luxo estacionam, aos cuidados dos flanelinhas,
Ao lado dos moradores de rua;
Quando sindicatos se vendem e direitos são cortados;

Quando as contas públicas não fecham
E se descobrem mansões de parlamentares;
Quando se destroem as matas e expulsam os índios;
Quando se vendem sem sequer nos consultar

As terras que sempre habitamos;
Quando as eleições são farsa
Que trocam presidentes, governadores, prefeitos,
Mas são sempre os mesmo governantes;

Quando empresas enriquecem e salários não aumentam;
Quando a jornada é longa e as condições precárias;
Quando o desemprego assusta e o assédio moral impera;
Não se vê nenhuma movimentação.

Onde foi parar toda aquela energia?!
Onde se esconde aquela gente cheia de si
Que não teme o Estado e sua polícia?
Quando será que se aprenderá a sair do torpor e direcionar o ânimo?!

Loucura



Às vezes nítida sensação eu tenho
De que a loucura se aproxima.
É como se ela batesse à minha porta
E me dissesse: - Bom dia! Vamos conversar?

Com tanto entusiasmo e amabilidade,
Quem seria grosseiro a ponto de lhe negar?
Por isso, saímos a caminhar pela cidade
E rimos de nós mesmos, só nós dois.

Mas, afinal, o que destaca a literatura
Se não um pouco de insanidade;
Um passeio tranquilo pelas ruas e parques
Sob o sol ou chuva com a amiga Loucura?

Ela lentamente se aprochega e me abraça
Envolve-me com sua ternura e verdade,
Afaga-me a cabeça em seu colo
E como a um filho, me põe a dormir.

Paixão



Não confunda paixão com amor.
Paixão é o ardor indescritível,
A vontade inelutável que queima
E move o corpo tirando-o da inércia.

É a busca por um sonho,
Desejo forte como se para sempre
Fosse durar a sensação revigorante
Que nos impulsiona a um objetivo,

Seja estar com uma pessoa
Ou alcançar um ideal.
É euforia que pode arrefecer
Em alguma horas, meses ou dias

Ou mesmo durar anos e acabar de repente
Vir a nos acompanhar a vida inteira,
Ou perder seu caráter arrebatador,
Porém, não morrem em seguida, e virar amor.