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Sessenta
e quatro é o número de corpos deitados invisíveis no chão da rua
que contei hoje da janela do ônibus no trajeto de casa para o
trabalho. Mas, de que importa? Afinal, o Rio vai sediar as
Olimpíadas, o Brasil sediará a Copa do Mundo de Futebol Sessenta e
quatro moradores de rua porque fui ‘bonzinho’ com o Governo e
contabilizei somente as pessoas que estavam deitadas no chão, sobre
papelão, sob cobertores... Sessenta e quatro também porque eu vim
do lado direito do ônibus. Sabe-se lá quantas não deixei de ver do
lado esquerdo.
Resolvi
fazer essa contagem depois de reparar um aumento na quantidade de
pessoas dormindo na rua, gente sem esperança, sem futuro, sem
presente e sem passado. Sessenta e quatro porque não passei pelo
Largo de São Francisco, onde eu poderia contar mais umas quinze ou
vinte, local onde mesmo a igreja pôs grades em frente à escadaria
para impedir que os pobres, miseráveis necessitados chegassem perto
do edifício da instituição sujando-o. Cidade maravilhosa...
Cidade
sede de eventos internacionais que se crê alguma coisa, que almeja
ser uma grande cidade, só tem chances de ser uma cidade grande,
maior ainda, cada vez mais inchada. Péssima infraestrutura, ônibus,
trens e metrô lotados e caros nas vias congestionadas. Brasil, o
país do futuro... de novo! Hospitais e escolas precárias. Se você
quer direito à vida, tem que pagar por isso. E caro! Altíssimos
preços de venda e locação de imóveis, pura especulação
imobiliária. Preço dos mais caros do mundo para viver numa cidade
onde até talvez La Paz tenha uma estrutura mais adequada. Porém,
para as Olimpíadas estamos preparados! Claro, corrida com obstáculos
é o que mais se pratica no dia a dia de tentativa de sobrevivência
na cidade. É como se com isso nos dissessem: Brasileiro, seu povo
pobre, aqui não é pra você. Carioca, não compre, não alugue.
Favelize, ocupe!
O que se
precisa é somente UPP para conter a violência... não a policial,
não a contra a mulher, não nenhuma das violências
discriminatórias, não a violência do trânsito, do desrespeito,
não a violência da exploração do trabalho, dos juros dos
empréstimos dos bancos, das manutenções de conta a custos
exorbitantes, não a violência de não se poder ter esperança ou de
a esperança ser um sonho longínquo, uma quimera, que não se
concretizará. Não só as obras para os grandes eventos
internacionais, também os preços são para inglês ver (e comprar,
porque para brasileiro não é possível).
E que
problema tem isso? Nada é tão ruim que não possa piorar! E vai.
Com o custo de moradia, com os despejos das casas próprias pelas
obras da Copa, cada vez aumentará o número de pessoas a viver nas
ruas. Parece que se decidiu combater a obesidade com a carestia dos
alimentos, de todos os produtos básicos nas prateleiras dos
supermercados, ou decidiu-se combater a pobreza matando-a de fome,
condenando-a á morte por impossibilidade de acesso aos meios básicos
de subsistência. Talvez a tentativa seja expulsá-la para o mais
longe possível com os preços inacessíveis de moradia. De
preferência para fora da cidade... Ê malandragem carioca, jeitinho
brasileiro...
Já
passou da hora de fazer uma marcha pelo direito à vida. Vamos fazer
uma? Que não é uma daquelas caminhadas pela paz, mas um protesto
contra a especulação imobiliária; contra a carestia dos alimentos
e demais produtos de necessidade básica; contra a violência
policial; contra a discriminação de raça, de classe, de sexo, de
gênero, de nacionalidade, de origem, etc.; contra as intromissões
na vida particular quando aquilo não causa prejuízo a ninguém;
protesto contra o preço das passagens dos superlotados e, não raro,
demorados ônibus, trem, metrô, barca; contra a exploração do
trabalho, contra a desigualdade social, contra a corrupção também;
contra a escravidão e péssimas condições de trabalho; contra a
intocabilidade das empresas que nos roubam cotidianamente com péssima
prestação de serviço – quando prestam de fato – com sonegação
de impostos que poderiam ser investidos em educação e saúde
pública, entre outros; contra o abaixar de calças do (des)governo
antes interesses alheios ao da população; protesto contra os baixos
salários que não dão conta de manter vivo meia pessoa; contra o
salário mínimo que vale, quando muito, um aluguel em casa distante;
contra o país do futuro, pelo direito ao presente. Por uma
democracia real já (como o lema adotado pelos espanhóis), para
avisar aos governantes que eles não nos representam.
Preço de
Europa para qualidade de vida... Que qualidade de vida?
Como
escrito naquela pichação que recém comentei ter lido na Leopoldina
– que disseram ser de uma música do Legião Urbana – antes eu
sonhava, hoje já nem durmo.
FARTO!
"É
preciso que compreenda que não existe liberdade sem igualdade e que
a realização da maior liberdade na mais perfeita igualdade de
direito e de fato, política, econômica e social ao mesmo tempo, é
a justiça." – Mikhail Bakunin