quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Entrevista concedida à Assessoria de Comunicação do meu local de trabalho

- Como surgiu o interesse pela atividade ?

A poética parece-me desenvolver-se junto com a própria existência, de modo que fica difícil saber se há o surgimento de um interesse tanto por ela em si quanto pela atividade dela, ou seja, pela tentativa de exercício de expressão da poética que transita, se desenvolve, se esconde e se desvela dentro do ser. De qualquer forma, não é um interesse constante, no sentido de não ser algo em que eu me foco o tempo todo. Entretanto, a poesia se faz presente e influencia todos os aspectos da vida. O surgimento da tentativa poética da expressão em palavras creio se dar quando as palavras não davam mais conta de expressar o que deveriam. Os pensamentos, as sensações, os sentimentos, as percepções não aceitam mais se encaixar na prisão das palavras, na linguagem do cotidiano e se transformam em frases por vezes ambíguas, fugidias ou mesmo obscuras, mas que apenas assim deixam transparecer e clarear os mesmos pensamentos, sensações, sentimentos e percepções. Dessa inadequação das palavras, dessa incapacidade de se expressar por elas é que parece surgir a atividade poética.

- Algum familiar com o mesmo talento?

Às vezes os talentos permanecem como possibilidade até o termo da vida. Não sei se há algum familiar com o mesmo talento, se é que há talento nisso. Talvez tenham nascido, vivido e morrido centenas sem que seus talentos jamais fossem descobertos. Aliás, talvez não. Com certeza. Não sei se na minha família, mas com certeza a maioria dos talentos passa pela vida sem que possamos desfrutar deles, infelizmente. Então, não sei.

- Quanto tempo se dedica a essa atividade ?

Bom, como expliquei há pouco, é uma atividade constante e incessante, podendo ser mais forte ou mais fraca. Assim, eu poderia dizer que dedico todo o tempo do mundo a ela. Por outro lado, não dedico qualquer tempo, pois entendo que não pode ser programado um tempo no qual a atividade poética deva acontecer. Ela é livre, por isso desobediente. Ela se apresenta quando quer. Cabe conseguir aproveitar o lampejo em que se a vislumbra e descrever esse indescritível contato. Além disso, ela é tímida. Não se apresenta quando se sente malquista ou estar em um ambiente opressor. É uma atividade que é em grande medida sufocada pelo cativeiro das atividades cotidianas, principalmente pelo controle, pela vigilância e pelas exigências dos ponteiros dos relógios. Em compensação, todo esse sofrimento pela qual a poética passa, é guardada como energia potencial até o instante de explosão transformadora que é capaz de alterar inclusive o mundo e a representação dele.

- Fale um pouco dos obstáculos e/ou conflitos q enfrenta/enfrentou para se dedicar a essa atividade. Como fez/faz para ultrapassá-los?

Acabei me antecipando um pouco e já citei os obstáculos. Grande dificuldade além das citadas seria referente não à atividade, mas à ampliação do alcance da produção. Julgo como um problema inclusive na liberdade de expressão. Felizmente, meu último livro, Livro de Um Desconhecido – o qual é composto de contos, enquanto os três primeiros eram de poemas – conseguiu alcançar as prateleiras de Brasil e Portugal. Mas, o que se precisa pensar é que expressar é dar algo a entender a alguém, manifestar algo a alguém, revelar algo a alguém, explicar-se a alguém. O direito de se expressar, a liberdade para se expressar somente se pode concretizar plenamente quando há contato entre o emitente e o destinatário. A liberdade de manifestação do pensamento não se restringe, pois, a simplesmente poder dizer o que se pensa. Não há liberdade de expressão se as palavras não encontram os destinatários, e essa plena liberdade se faz pela igualdade de possibilidade de alcance, de disponibilidade de meios. Não é liberdade de manifestação se não se dispõe de iguais meios para propagação do pensamento. A ausência dos meios que permitem a divulgação das ideias impede uma verdadeira liberdade de expressão e manifestação, na medida que aquele que se manifesta e se expressa espera encontrar a atenção daquele que se interessa pela mesma questão de forma a, com isso, pela explanação e debate, construir algo comum.


 - De que forma essa atividade contribui para seu desenvolvimento pessoal e profissional? 

E atividade não encontra grandes espaços para seu desenvolvimento no árido ambiente da impessoalidade das determinações dos escritórios. Essa ausência de pessoa é negação do agente, muito embora ele ainda esteja presente, mas se vê não responsável pelas suas próprias ações, é objetificado. Ali onde o agente é negado ou ocultado, a subjetividade, a manifestação do ser não encontra espaços adequados para construir sua morada. A contribuição poética é demasiado sujeito, agente; é velar-se e desvelar-se, com isso, constante movimento, o qual não se constrói na rigidez que conserva. A criatividade é questionadora, transgressora, inconveniente, inadequada, imoral, ilegal e engorda. Em outras palavras, a criatividade é a negação dos padrões e sua construção a partir de si mesmo. É inegável que não há poética sem criatividade. Assim, quanto menos constrangido por formalidades, mais essa atividade contribui para o desenvolvimento profissional.

 - Uma personalidade?

Uma personalidade? Fleumático-Melancólico. Não tenho grande apreço por personalidades, sendo afeto a ideias. Mas, já que se pergunta também uma frase, vou mencionar o autor da frase que é interessante para a nossa reflexão, já que estamos no serviço público. Podemos a partir dela também pensar a poesia e a criatividade na medida transgressora que expliquei ver na poética em sua essência: Mikhail Bakunin. Com ela em mente, fica muito mais fácil identificar e trilhar os caminhos da liberdade.

- Uma frase?


"Tudo o que serve é bom, tudo o que é contrário a seus interesses é declarado criminoso, tal é a moral do Estado."

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Havia esquecido

Ontem me lembrei do meu blog. Há algum tempo o criei. Pouco depois o divulguei e postei uma série de coisas, incluindo todos os poemas que estão nos meus livros e outros textos em prosa, os quais alguns estão nos meus livros e outros não. Estão apenas aqui no blog. Outros textos, em compensação, não estão nem nos livros nem nos blogs e ficaram por aí, perdidos no Facebook ou sem indicar meu nome.

O que me chamou atenção quando eu me lembrei do meu blog foi que a última postagem data de 22 de maio de 2013. Duas semanas depois, os protestos contra os aumentos das passagens dos transportes coletivos cresciam e, tanto aumentava a repressão policial por medo daquele crescimento, tanto maiores eram os protestos e novas demandas surgiam.  Até que no dia 20 de junho um milhão de pessoas tomou a Av. Presidente Vargas no Rio de Janeiro e a policial massacrou os manifestantes com blindados, bombas, cacetadas, balas de borracha, inclusive dentro de hospitais. Ali nasceu uma polícia em reprimir protestos e essas cenas passariam a fazer parte do cotidiano brasileiro. Ao mesmo tempo, surgiram diversas outras organizações da população para lutar por uma mudança radical na sociedade no sentido de se libertar da opressão que constitui o cotidiano do povo.

Hoje, mais de 70 coletivos são investigados pela polícia política, que não tem oficialmente este nome, mas não deixe de ser, pois se esforça em combater a crítica e os protestos de rua enquanto os índices de criminalidade aumentam na cidade, apesar da militarização das favelas, e as bilionárias vigas da perimetral, apesar de imensas e das dezenas ou centenas milhares de câmeras espalhadas pela cidade, nenhuma gravou a fuga delas. Aliás, filmar, fotografar, registrar, etc. de nada serve, pois é incontável a quantidade de abusos cometidos por policiais dentro e fora das manifestações ao longo do último ano, entretanto nenhum policial foi considerado culpado por elas. Foram tiros de munição letal disparados diversas vezes, registrados em diversas imagens, ferindo manifestantes; foram flagrantes forjados, foram postagens no Facebook se vangloriando de agredir manifestantes, foram objetos arremessados do alto da Câmara dos Vereadores do Rio, foram manifestantes e jornalistas agredidos, câmeras roubadas, prisões arbitrárias sob o manto do famigerado “desacato”, que engloba qualquer espirro não autorizado, foram mortes, sequestros, torturas, estupros ocultação de cadáveres, arrastamento de pessoa por asfalto, assassinato em manifestação de moradores de favelas, todos cometidos por policiais, registrados. Entretanto os casos não resultaram em nada contra os policiais. Aliás, o caso do capitão da PM-DF resume bem a história. Ao ser perguntado por que atacou os jornalistas com spray de pimenta, o policial respondeu “Por que eu quis! Pode ir lá denunciar!” Essa frase resume toda a história, explica completamente como funciona a sociedade brasileira e seu autoritarismo. Algum tempo depois, coroou-se a história para deixar ainda mais claro o que acontece. O policial foi absolvido.

Hoje é só convocar uma manifestação que aparecem centenas ou milhares de policiais, normalmente em número maior que o de manifestantes, são efetuadas dezenas de revistas aleatórias onde até bateria de celular na mochila é motivo para detenção. Surgem dezenas de motos, diversas viaturas e uns pares de ônibus para trazer policiais ao local e levar embora manifestantes. Nesse terrorismo do Estado onde participar de um protesto pode levar a graves ferimentos e se organizar politica ou socialmente pode ser enquadrado como organização criminosa, os protestos diminuíram de tamanho, pois a população ficou com medo de participar. Era o que o Estado queria. A CPI dos Ônibus não saiu do papel, o Governador passeava de helicóptero e nada aconteceu, a linha 4 do metrô teve seu traçado alterado para estender a linha 1 e continuar sem licitação, as vigas continuam desaparecidas, as mídias não pagam os milhões que devem, no local das casas demolidas restaram os entulhos e nada foi construído no lugar, as milhares de pessoas removidas foram parar bem longe do centro, ou ficarão tão próximas que ocupam as ruas, fazendo-as de moradia... mas o lucro dos bancos continua crescendo.

Agora vêm as eleições. Eleições de pessoas. Pessoas-mercadoria. Rostos acompanhados de números. E chamam isso de festa da democracia. Ou será festa dos bancos e dos megaempresários? Segundo jornal gratuito, as campanhas eleitorais custam três vezes mais que a Copa. Sinal de que dá lucro. Mas, para quem? Realmente governarão para a população? As empresas não doam para campanha, investem em suas expectativas de lucro.

Esses são apenas alguns exemplos do que encontramos por aí. Imerso nisso tudo fica difícil sobrar tempo para escrever poesia, infelizmente. Aliás, tinha me esquecido até mesmo do meu livro. Pouco após seu lançamento veio toda essa história (que não é nova, mas se tornou muito mais intensa) e acabei nem o divulgando tanto. Algumas postagens ali para baixo tem mais informações do “Livro de Um Desconhecido”.